Desafios e avanços da restauração ecológica em terras secas são destaque na SOBRE2024

Desafios e avanços da restauração ecológica em terras secas são destaque na SOBRE2024

31 de dezembro de 1969

Especialistas discutem estratégias inovadoras e políticas públicas para restaurar florestas secas e mitigar os efeitos das mudanças climáticas, promovendo a sustentabilidade e a qualidade de vida nas comunidades locais

As possibilidades de restauração ecológica em regiões áridas e semiáridas deram o tom da primeira plenária do segundo dia da V Conferência Brasileira de Restauração Ecológica - SOBRE +10: O Futuro da Restauração.

Renato Garcia Rodrigues, professor da Univasf, coordenador no NEMA e presidente da SOBRE2024, moderou a plenária “Restauração em Florestas Secas”. Participaram Felipe Melo (UFPE e Nottingham Trent University), Daniel Roberto Pérez (National University of Comahue - Argentina), Eliane Ceccon (Universidad Nacional Autónoma de México) e Cristina Branquinho (Universidade de Lisboa).

A conferência, promovida a cada dois anos pela Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (SOBRE), está sendo realizada nas cidades de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) e nesta edição conta com o apoio do Núcleo de Ecologia e Monitoramento Ambiental (NEMA) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).


Terras secas ocupam 41% das áreas do planeta


Logo no início do debate, Rodrigues destacou que o tema da plenária é relevante para a região da Caatinga, onde acontece a conferência. Essa região, que ocupa 10% do território brasileiro, é exclusiva do país. “As pessoas se alimentam da caatinga. A restauração é essencial para a manutenção da vida humana”, afirmou.

A professora Cristina Branquinho, da Universidade de Lisboa, foi a primeira a falar. Ela destacou que, atualmente, as terras secas ocupam 41% das áreas do planeta e abrigam 35% da população global, a parcela mais pobre. Essas terras também concentram 44% dos sistemas cultivados e 50% da pecuária mundial.

Segundo Branquinho, as mudanças climáticas intensificam a aridez e alteram o uso do solo, exigindo medidas urgentes de conservação e restauração dos ecossistemas. Nesse contexto, as florestas e bosques de terras secas são fundamentais para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, especialmente em ambientes semiáridos.

Ela lembrou que a promoção da regeneração natural das florestas e bosques nativos contribui para diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. “Não se pode restaurar sem assegurar o sucesso a longo prazo nas diversas dimensões sociais, ecológicas e econômicas”, destacou.


Semeadura direta


O pesquisador Daniel Roberto Pérez, da National University of Comahue, Argentina, trouxe ao debate ações de regeneração assistida por manipulação do solo para restauração em terras áridas.

Ele apresentou resultados com o uso de espécies que favorecem o acúmulo de água no solo, aumentam a compactação e a hidrofobicidade, e reduzem a infiltração da água, beneficiando tanto as plantas individuais quanto o ecossistema como um todo.

Pérez também falou sobre a semeadura direta como uma estratégia eficaz de conservação do solo mesmo sem irrigação. Com base em sua experiência nas terras áridas da Argentina, ele destacou que a semeadura direta é um caminho promissor para a restauração.


Ação participativa


A professora Eliane Ceccon, da Universidad Nacional Autónoma de México, compartilhou a experiência da ONG Xuajin Me’Phaa, que atende 1600 famílias em 14 comunidades. Esses produtores orgânicos cultivam hibisco, mel, feijão, manga, entre outros. Na região onde a ONG atua, 64,4% da população é pobre, 23% vive na extrema pobreza e 27,8% sofre de carência alimentar.

A ONG trabalha com restauração produtiva em sistemas agroecológicos e agroflorestais, focando no cultivo de hibisco orgânico. “Em uma região marcada pela fome, é fundamental pensar na qualidade de vida e na melhoria da abundância”, diz.

Utilizando a metodologia de pesquisa-ação participativa, a ONG empodera as comunidades a utilizarem seus próprios recursos. Um resultado interessante foi o desenvolvimento de um protocolo de fertilização que, ao ser adotado pela comunidade, dobrou a produção de hibisco orgânico.

Ceccon enfatiza que a restauração pode ir além de recobrir florestas, gerando uma mentalidade ambiental e transformando a relação das pessoas com a natureza, através da participação social que leva à aprendizagem coletiva.


Reconstrução de territórios


O último plenarista da manhã foi Felipe Melo, da UFPE e Nottingham Trent University, que apresentou a restauração ecológica como uma nova frente na reconstrução de territórios. Ele destacou erros históricos na conservação, como a expulsão de comunidades tradicionais, o aumento da pobreza, os conflitos por terras e modelos excludentes.

No contexto socioeconômico global, Melo questionou o papel da restauração. Ele apontou que, embora tenhamos métricas confiáveis, planejamento sistemático e reconhecimento geopolítico, ainda falta diálogo com a justiça ambiental e a transdisciplinaridade. Por isso, propõe a valorização dos conhecimentos ecológicos locais, que contribuem para descolonizar a ciência.

Melo trouxe o exemplo da caatinga, onde espécies culturalmente importantes possibilitam a regeneração de uma caatinga útil e diversa para o povo sertanejo. Esse conhecimento foi obtido por meio do saber tradicional. "A restauração, portanto, não pode ser apolítica; ela está inserida em um contexto climático que tem causadores e vítimas", afirmou.

Financiamento e governança da restauração



Na segunda plenária da terça-feira (9 de julho), o ecólogo Rafael Barreiro Chaves, especialista ambiental na Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (SEMIL), moderou as apresentações sobre o tema “Financiamento e Governança da Restauração”. A primeira plenarista foi Fabíola Zerbin, diretora do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, Secretaria de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais. Zerbin apresentou o Plano Nacional de Vegetação Nativa (Planaveg), que tem como meta recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa e promover o manejo florestal sustentável no Brasil, com um custo estimado entre R$ 31 milhões e R$ 51 milhões.

Os principais pontos da revisão do Planaveg 2024 incluem economia de recuperação, investimento e cadeia; inteligência espacial e monitoramento; e arranjos .de implementação. Zerbin defendeu que a cadeia de recuperação precisa ser reconhecida pela participação de atores diversos que prestam serviços ao ecossistema e, portanto, devem receber recursos diferenciados. Ela também destacou a necessidade de oferecer melhores créditos para agricultores com regularização ambiental em dia, levando em conta as particularidades de cada grupo. Além disso, enfatizou a importância de fomentar compras públicas de sementes, mudas e produtos provenientes de sistemas agroflorestais.

BNDES na restauração



Márcio Macedo Costa, do Departamento de Meio Ambiente do BNDES, destacou a atuação do banco em ações de restauração ecológica. Ele iniciou reconhecendo a importância da restauração e ressaltou que o setor vive um momento único, com grande mobilização em torno do tema. Entre as ações do BNDES voltadas para a restauração, Costa mencionou o programa Floresta Viva, que utiliza recursos do banco, de empresas privadas e do governo para compensar a emissão de créditos de carbono. Até agora, pelo menos 16 apoiadores assinaram protocolos de intenção com o BNDES, totalizando R$ 446 milhões.

O banco, por sua vez, disponibiliza R$ 250 milhões do fundo socioambiental. Segundo Costa, os desafios da restauração incluem a captação de novos recursos, a ampliação das ações já em andamento, o apoio à cadeia produtiva da restauração, a implementação do Código Florestal e a combinação de apoio não reembolsável com linhas de crédito.

Recaatingamento

A apresentação dos plenaristas foi finalizada por Clérison Belém, coordenador institucional do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA). Em sua fala, ele demonstrou na prática como o investimento em iniciativas de restauração e conservação pode transformar realidades.

O IRPAA foi criado com o propósito de proporcionar condições de convivência com o clima da Caatinga, em vez de simplesmente “combater a seca”, como era anteriormente proposto. Por isso, trabalham com o conceito de recaatingamento, que envolve a recuperação e conservação de áreas ocupadas por povos tradicionais da região. A meta é atingir 1 milhão de hectares de recaatingamento. Entre as ações, há a preocupação de oferecer soluções apropriadas para a agricultura e a criação de animais, reforçando o valor da Caatinga. Um dos resultados é o programa “Um Milhão de Cisternas”, que possibilita o armazenamento de água, essencial devido à concentração das chuvas em poucos meses do ano na Caatinga.

Hoje, o IRPAA está presente em quatro territórios de identidade na Bahia, abrangendo 15 municípios e 40 comunidades. “Trabalhamos sob a perspectiva ambiental, social e produtiva, pois não podemos recuperar e restaurar sem a presença da comunidade local”, analisa Belém. Ele destaca a importância de oferecer contrapartidas sociais às famílias envolvidas, que se dedicam a conservar e recuperar a vegetação, recebendo benefícios que melhoram a qualidade de vida.

Ao final, o moderador Rafael Barreiro Chaves provocou os presentes a refletirem sobre como a ciência pode ajudar as políticas públicas. Ele citou exemplos de linhas de financiamento da Fapesp destinadas a apoiar projetos de pesquisa que tenham gestão pública e sejam focados em resolver problemas concretos de políticas públicas, como o projeto Biota Síntese, que visa apoiar o estado de São Paulo no desenvolvimento de políticas públicas socioambientais relacionadas à sustentabilidade agrícola, restauração ecológica, controle de zoonoses e prevenção de doenças em áreas urbanas, considerando soluções essencialmente baseadas na natureza.

A SOBRE2024 acontece de 8 a 12 de julho em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) e conta com o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).




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