Restauração

Restauração em terras indígenas: conhecimento ancestral e ciência em defesa dos territórios

03 de julho de 2025

Oficina reúne indígenas, sociedade civil e especialistas para avançar no Banco de Áreas Prioritárias para Restauração em Terras Indígenas

Lideranças indígenas de diferentes regiões do Brasil reuniram-se com representantes da sociedade civil, do governo e de organizações parceiras, em junho de 2025, para discutir a construção do Banco de Áreas Prioritárias para Restauração em Terras Indígenas (TIs). A oficina, promovida por FUNAI, The Nature Conservancy (TNC), COIAB e Vallie, buscou debater e planejar a recuperação de áreas degradadas em terras indígenas, priorizando locais estratégicos para a restauração ecológica.

Um dos pilares da metodologia é integrar conhecimentos técnicos e saberes tradicionais para garantir que a restauração seja realizada de forma eficaz e respeitando as culturas locais. A Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (SOBRE) esteve presente por meio da participação da diretora Alessandra Nasser Caiafa, reforçando o papel da ciência da restauração na escuta ativa dos povos originários e no reconhecimento do protagonismo indígena frente aos desafios socioambientais.


Banco de Áreas: uma ferramenta estratégica para restaurar territórios em transformação


Para representantes de diferentes povos indígenas presentes no evento, o Banco de Áreas Prioritárias é uma ferramenta de autonomia e planejamento que vai além do sistema de mapeamento, tornando visível o estado de degradação de territórios que são fundamentais para a vida, a cultura e a segurança dos povos originários.

“A criação de um banco de áreas prioritárias para a restauração é fundamental para reunir informações sobre as terras indígenas de todo o país, especialmente aquelas que enfrentam degradação ambiental, escassez de recursos hídricos ou até mesmo condições que dificultam a permanência das comunidades em seus próprios territórios”, explicou Fabriciane Xacriabá, liderança do povo Xacriabá.

Segundo ela, o banco permitirá identificar de forma clara e estruturada as áreas que mais precisam de apoio, facilitando o direcionamento de recursos financeiros, humanos e técnicos. “Com essa base de dados, financiadores, órgãos públicos e parceiros terão acesso a informações que ajudam a tomar decisões mais eficientes. Isso fortalece a gestão territorial e viabiliza ações concretas de restauração.”

Fabriciane ressalta ainda que o banco será uma ferramenta importante para os próprios povos indígenas, ao possibilitar que tenham acesso a dados sobre suas terras, como o estado de preservação, a localização no território nacional e conflitos por sobreposição com outras áreas. “Muitas vezes, a gente nem sabe que há sobreposição com outros territórios. Ter esse tipo de informação vai facilitar a busca por soluções, por parceiros, pela resolução de conflitos e por financiamento de projetos.”





Restaurar a terra é restaurar a vida


Os indígenas presentes no evento destacaram que o impacto da degradação vai muito além do solo e da vegetação. Para eles, território e conhecimento são dimensões inseparáveis: quando a terra adoece, os saberes tradicionais também se enfraquecem.

“O saber está associado ao lugar. Se o lugar está degradado, o saber está em colapso”, afirmou Iran Xukuru, liderança do povo Xukuru. Com uma fala marcada pela espiritualidade, Iran descreveu o que chama de “inteligência sutil”: uma forma de conhecimento baseada na escuta do ambiente, que envolve sentir o vento, o canto dos pássaros, o voo dos insetos, a memória espiritual das pedras.

Ele destacou que esse saber é poético, prático e profundo, transmitido por práticas como o “saber do cuidado” e o “saber sentado”. “Espaço, tempo e elemento são indissociáveis do encantamento”, resumiu, ao afirmar que a saúde do saber ancestral depende diretamente da saúde do território.





Segurança alimentar, espiritualidade e continuidade cultural


A restauração, para os povos indígenas, também está diretamente ligada à sobrevivência cultural, espiritual e econômica.

“Restaurar vai além da coleta de sementes, do plantio de mudas, da coleta de mudas, de manter a floresta em pé. É uma conexão com a ancestralidade, é manter o bem-estar e a segurança alimentar das futuras gerações”, explicou Tainan Kumuara, liderança indígena do povo Kumuara. “A gente espera conseguir também restaurar mentes, espíritos, costumes. É sobre preservar o meio ambiente e cultivar nossas tradições dentro de todo esse âmbito de restauração ecológica.”

Esse elo entre meio ambiente e bem-estar também foi ressaltado por Nidinho Pankararu, liderança do povo Pankararu. Para ele, restaurar é mudar mentalidades e práticas herdadas do cultivo colonial, ainda comuns em muitos territórios. “A ideia de suprimir a vegetação nativa, usar fogo e iniciar o plantio em solo nu leva a consequências sérias, como solo desprotegido, compactado, assoreado e empobrecido”, alertou.

Nidinho defende que a restauração começa antes mesmo do plantio, com o preparo adequado do solo, barreiras de contenção contra erosões e ações educativas que levem à mudança de conceitos na agricultura. “Quando a degradação já aconteceu, é preciso repor o que o ambiente perdeu. Podemos consorciar espécies nativas com frutíferas e variedades de ciclo curto, construindo um equilíbrio entre ambiente, alimentação e recursos hídricos.”





A contribuição da ciência da restauração: escuta, articulação e formação


Para Alessandra Nasser Caiafa, diretora da SOBRE e professora da UFRB, a oficina foi uma experiência transformadora. “Foi única, enriquecedora. Tivemos dias intensos de troca de saberes e escuta atenta das necessidades dos territórios e das experiências indígenas. Foi uma vivência profunda dos valores ecológicos, econômicos e sociais da restauração de ecossistemas.”

Ela destaca que a SOBRE pretende atuar ativamente na consolidação do Banco de Áreas, contribuindo para o desenvolvimento de critérios técnicos baseados em dados sólidos e que respeitem as particularidades locais. “Essa ferramenta precisa ser viva, sempre em atualização. E acima de tudo, precisa atender aos desejos e às necessidades das comunidades indígenas em seus territórios”, reforçou.

Entre as estratégias da entidade, Alessandra destaca a valorização da formação contínua e da troca de saberes. “Acredito muito na educação para a restauração e o programa Dispersar, da SOBRE, é um exemplo disso. Queremos organizar mentorias com lideranças indígenas que também são profissionais da ciência, como biólogos e engenheiros florestais.”

Ela também aponta a importância de espaços permanentes de diálogo em eventos científicos. “Na SOBRE2024, realizamos o I Encontro Indígena da Restauração (EIRE). Foi um marco. Esse espaço veio para ficar e consolidar a presença indígena dentro das conferências da SOBRE.”

Para Alessandra, o principal aprendizado que a comunidade técnica e científica pode levar da experiência é o reconhecimento do protagonismo indígena. “Discutir restauração com quem se originou dessa terra e que hoje também domina conhecimentos acadêmicos é fundamental. Sem Territórios Indígenas restaurados, não há saúde possível, nem para a natureza, nem para os povos que a habitam.”







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