Carbono

Restauração ecológica diante da crise climática: o papel e os limites do carbono

17 de dezembro de 2025

Promovida pelo Dispersar, o Programa Nacional de Formação Inicial e Continuada em Restauração de Ecossistemas, a roda de conversa Restauração Ecológica e Crise Climática: Potenciais, Limites e Perspectivas sobre o Carbono reuniu especialistas do mercado e da academia para troca de experiências sobre o papel do carbono diante das mudanças climáticas. O Dispersar é um dos ramos de atuação da Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (SOBRE) em parceria com organizações da cadeia da restauração.

O encontro contou com a mediação de José Marcelo Torezan, biólogo e professor da Universidade Estadual de Londrina e um dos fundadores da SOBRE, e com a participação de Thiago Picolo, da Re.green, e Simone Vieira, pesquisadora do NEPAM da Unicamp. A conversa completa pode ser acessada aqui.

Logo na abertura, Torezan situou o debate no contexto do momento histórico vivido pela restauração ecológica no Brasil. Ele destacou que o tema do carbono ganha cada vez mais relevância diante do mercado e das agendas climáticas globais. “Estamos diante de uma oportunidade, pois o carbono chegou de forma avassaladora, a maioria dos projetos são voltados para esse tema”, disse, destacando que o debate é amplo e deve ser retomado em outras iniciativas do Dispersar.

Torezan reforçou ainda que a mitigação das mudanças climáticas não pode ser reduzida ao carbono, mas exige uma visão mais ampla que considere a capacidade da restauração bem planejada gerar uma série de co-benefícios, como regulação do clima regional, segurança hídrica, conservação da biodiversidade e ganhos sociais, ampliando seus efeitos positivos muito além das métricas de sequestro de carbono.


A experiência da RE.green


Thiago Picolo apresentou a Re.green como uma empresa de restauração ecológica orientada pela ciência, dedicada a recuperar ecossistemas degradados o mais próximo possível de suas condições originais. A atuação da empresa hoje se concentra em cerca de 37 mil hectares na Mata Atlântica e na Amazônia, em diferentes contextos territoriais, o que exige soluções variadas de restauração.

Fundada no final de 2021, a Re.green estruturou suas operações com um aporte financeiro robusto, que viabilizou a implantação das primeiras áreas de restauração no sul da Bahia e na Amazônia, em um processo de aprendizado contínuo no campo. Ao longo desse percurso, a empresa firmou parcerias com grandes companhias nacionais e internacionais para a geração de créditos de carbono a partir da restauração florestal, ampliando seu modelo de atuação e sua visibilidade no setor.

Segundo ele, o principal desafio em cada área é definir o modelo mais adequado de intervenção. Não existe uma única fórmula. Algumas áreas demandam ações intensivas, com alto investimento em plantio de mudas nativas, enquanto outras permitem apostar na regeneração natural. O ponto central é compreender o histórico de uso da terra, o entorno e o potencial ecológico do local, intervindo apenas o necessário para que os processos naturais voltem a funcionar.

Outros gargalos mencionados são a complexidade fundiária para acesso à terra e a dificuldade de escalar projetos em áreas remotas e muito degradadas, mantendo a qualidade ecológica. Há ainda o desafio de garantir a evolução das áreas restauradas ao longo do tempo até a geração de créditos de carbono, o que exige monitoramento contínuo, investimentos de longo prazo e processos comerciais e financeiros complexos.


Perspectiva acadêmica


Na perspectiva acadêmica, Simone Vieira trouxe uma análise crítica e fundamentada sobre o potencial e os limites da restauração florestal na mitigação climática. Atuando há anos na Amazônia e na Mata Atlântica, sua pesquisa busca compreender os fatores que permitem que florestas mantenham produtividade, biodiversidade e funcionamento ao longo do tempo. Segundo ela, a restauração passou a ser frequentemente associada aos créditos de carbono, mas é preciso cuidado para não criar expectativas irreais.

Em 2025, as emissões globais chegaram a cerca de 38 bilhões de toneladas de carbono. Se apenas o Brasil tentasse compensar esse volume por meio da restauração, seriam necessários cerca de dois milhões de quilômetros quadrados restaurados por ano, um número inviável a longo prazo frente ao território nacional. Isso deixa claro que a restauração, sozinha, não dará conta de mitigar todas as emissões. Ainda assim, ela é essencial, pois florestas restauradas reduzem a temperatura média regional, favorecem a ciclagem da água e contribuem para a estabilidade climática em diferentes escalas.

Para Simone, quando um ecossistema funciona adequadamente, ele maximiza o estoque de carbono em um contexto de alta biodiversidade. O carbono, nesse sentido, é um indicador de que a floresta está cumprindo suas funções ecológicas, incluindo a manutenção da qualidade e da quantidade de água nos cursos d’água, algo fundamental inclusive para as indústrias que hoje financiam projetos de restauração. No entanto, ela reforçou que a mitigação das mudanças climáticas exige, de forma inegociável, a redução do uso de combustíveis fósseis.


A importância das florestas maduras


O Brasil, quarto maior emissor de CO₂ do mundo, tem suas emissões fortemente associadas à mudança de uso da terra. Enquanto iniciativas de restauração avançam, o país segue perdendo florestas maduras, tanto na Amazônia quanto na Mata Atlântica. Por isso, Simone alertou para o risco de a restauração ser usada como justificativa para novos desmatamentos. “Restaurar não substitui a necessidade de conservar. É preciso inverter a trajetória de perda de florestas maduras para que áreas restauradas possam, ao longo do tempo, alcançar estágios mais avançados e efetivos do ponto de vista climático”, afirma.

Ela também destacou que os resultados da restauração precisam ser pensados no médio prazo. O sequestro de carbono leva anos para se consolidar, mas benefícios como melhoria na ciclagem da água e redução da temperatura começam a aparecer pouco tempo após a implantação dos projetos. Além disso, chamou atenção para o fato de que as técnicas de restauração têm evoluído mais rápido do que a própria ciência consegue acompanhar, o que torna fundamental uma maior aproximação entre projetos de campo, universidades e comunidades locais. Pequenas propriedades, muitas vezes fora do radar dos grandes investimentos, também têm papel relevante na qualidade do sistema como um todo.

Carbono e restauração em debate



A etapa de debates aprofundou os pontos levantados. Torezan destacou como simbólico o surgimento de uma grande empresa dedicada exclusivamente à restauração ecológica e a ênfase da Re.green em uma atuação baseada em ciência. Também chamou atenção para o paradoxo do financiamento, já que, apesar da percepção de abundância de recursos ligados ao carbono, o acesso a esses recursos ainda é um desafio concreto. Para ele, não é possível pensar em redução de emissões sem considerar a restauração como apoio, desde que ela não perca de vista seus múltiplos objetivos.

Ao responder, Picolo explicou que a Re.green atua no mercado voluntário de carbono, com empresas que assumem compromissos além das exigências legais e que não conseguem reduzir todas as emissões apenas dentro de suas cadeias produtivas. Nesse contexto, projetos de alta qualidade, que entregam co-benefícios comprovados para biodiversidade e comunidades, têm mais valor e menor risco de reversão. Selos e certificações ajudam a atestar esses ganhos adicionais.

Simone complementou afirmando que a resiliência do carbono a longo prazo depende diretamente desses outros benefícios. Florestas mal estruturadas não se mantêm. O carbono é mais fácil de medir, mas ele sintetiza um conjunto de funções ecológicas. Plantios homogêneos, como de eucalipto, podem acumular muito carbono em pouco tempo, mas não garantem sustentabilidade nem serviços ecossistêmicos duradouros.

O debate avançou ainda para os desafios da certificação e da mensuração de co-benefícios. Para Picolo, o mercado tende a evoluir para métricas mais sofisticadas, capazes de reconhecer e, no futuro, monetizar esses benefícios de forma mais direta. Simone trouxe exemplos concretos de serviços ecossistêmicos muitas vezes invisibilizados, como a regulação de doenças associadas à perda de vegetação e os impactos positivos sobre a saúde física e mental das pessoas.

Ao final, destacou-se que restaurar não é plantar árvores em qualquer lugar, mas reconstruir, o mais fielmente possível, a estrutura e a função do ecossistema de referência de cada território. Um exemplo citado foi a ineficiência de implantar florestas no Cerrado ou na Caatinga. O objetivo da restauração ecológica é maximizar o potencial de cada sistema, respeitando sua identidade ecológica. Como resumiu Picolo, o caminho é fazer o mínimo necessário para que a natureza volte a funcionar, sem impor modelos artificiais, permitindo que os processos naturais conduzam a regeneração ao longo do tempo.




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